Em pé, sobre a gigantesca mão da estátua do Cristo Redentor, o Anjo Renegado observava a
cidade, à aproximação do crepúsculo. Sua expressão, inabalável e serena, era de alguém que muitas
vidas vivera, de um andarilho que percorrera o mundo, desvendara seus infinitos mistérios, e enfrentara
toda a sorte de criaturas, abissais e celestes. Mas era também o semblante de um pioneiro, que
visitara nações já perdidas, e que se sentara à mesa com os grandes homens de outrora. Era como se,
nas profundezas daqueles olhos cinzentos, estivesse gravada uma parte singela de cada civilização, de
cada povo, de cada cultura ancestral e moderna – das torres resplandecentes de Atlântida às pirâmides
da Babilônia; das cidades-estado gregas à majestade do Império Romano; das catedrais medievais às
caravelas de Sagres; das campanhas napoleônicas ao horror nuclear. A história de toda uma espécie
vivia agora na mente do fugitivo, um guerreiro de jovem aparência, tão preservado quanto os homens
mortais no auge da casa dos trinta.
Às vezes o lutador ficava imóvel por horas, em absoluto silêncio, meditando sobre seus amigos
já mortos, de maneira a não olvidá-los jamais. Padecia de um único temor: o medo de esquecer –
esquecer os seus ideais, o seu passado, e a sua luta incansável.
Uma rajada de vento sacudiu a montanha, balouçando os loiros cabelos do renegado. Ele os
prendeu com uma fita, e caminhou sobre a estrutura de pedra. Seu equilíbrio era impecável, mesmo
na estreita passagem, que completava o braço da escultura titânica. Não se parecia com um anjo de
fato, porque escondia suas asas, enfiadas na carne. O rosto era nórdico, tipicamente, e o corpo atlético,
forte e delgado. Guardava um aspecto felino – era a face de um caçador, sempre alerta ao perigo, e
pronto a responder ao ataque. A barba, mais espessa à volta da boca, formava um cavanhaque
dourado, e as roupas escuras delineavam uma silhueta sombria. Estático, inabalável ao vento, o
Querubim esperava por algo. Provava o cheiro do ar, escutava o movimento das nuvens, e enxergava
a despedida do sol.
Dali, do cume da imensa montanha, mesmo os maiores arranha-céus eram agulhas, farpas
minúsculas no coração da cidade. As águas da baía de Guanabara, cercada pelo morro do Pão de
Açúcar e pelas brancas areias da enseada, refletiam o róseo brilho poente. Foi então que, à contemplação
da paisagem, o celeste percebeu o quanto a metrópole crescera, desde sua chegada ao Brasil, há
trezentos anos exatos. As praias estavam interditadas, e as fábricas poluíam a baía. As pessoas
construíram pontes e ruas, e levantaram antenas no alto dos morros.
Agora, era só uma questão de tempo até que o sol extinguisse seu fogo, e a civilização mortal
perecesse